O escritor
O escritor

O escritor

A inserção de João Simões Lopes Neto no sistema literário nacional dá-se a partir da publicação, em 1912, de Contos Gauchescos por Echenique & Cia. O autor, porém, não era novato no campo literário e cultural: tinha produzido peças de teatro, algumas delas impressas em tipografias locais; redigira artigos e matérias jornalísticas para jornais de Pelotas; e planejara Terra Gaúcha, de cunho histórico, e Artinha de Leitura, de teor didático. Em 1910, reunira o poemário popular do Rio Grande do Sul em Cancioneiro Guasca, livro que define sua assinatura artística, como evidencia O lunar de Sepé, em que reelabora a lenda de Sepé Tiaraju.

Contudo, a linha de corte é traçada por Contos Gauchescos, razão por que é a obra que receberá maior número de referências críticas, embora bastante incipientes à época em que vivia o escritor. No ano de lançamento do livro, Januário Coelho da Costa saúda seu aparecimento no Diário Popular, de Pelotas; e, em 1913, o Correio do Povo dá a palavra a Antônio Mariz, pseudônimo de José Paulo Ribeiro, para que aponte os méritos da coletânea de histórias narradas por Blau Nunes.

Cancioneiro Guasca. Coletanea de Poezia Popular Rio-Grandense. 3ª edição. Pelotas: Echenique & Cia, Acervo Fausto J. L. Domingues. | Cancioneiro Guasca. Coleção Província. 4ª edição. Porto Alegre: Editora Globo, 1954. Acervo Klécio Santos.

A fortuna crítica dos Contos Gauchescos e de seu parente próximo, as Lendas do Sul, em livro em 1913, foi irregular e descontínua nesses primeiros anos. Mas nem por isso a obra de Simões Lopes deixou de ser objeto dos intelectuais mais preparados do Estado. Em 1924, João Pinto da Silva, ao examiná-la na História literária do Rio Grande do Sul, considera seu “gauchismo” superior ao de Alcides Maya, ficcionista que, naquela década, gozava de grande prestígio local e nacional. Da sua parte, Augusto Meyer, que veio a ser o principal divulgador da obra de Simões, dedica-lhe resenha colocada no Correio do Povo, destacando a grandeza do escritor.

É em Prosa dos pagos, de 1943, que Meyer declara o entusiasmo motivado pelo talento do con­tador pelotense, relatando as impressões que nele causaram os primeiros contatos com a narrativa simoniana. E não se limita ao exame da obra enquanto bloco homogêneo, procurando, em capítulos específicos, sublinhar o valor de A Salamanca do Jarau e de O lunar de Sepé. Poucos anos depois, em 1950, Lúcia Miguel Pereira, então uma das mais renomadas pesquisadoras da literatura nacional, distingue a produção de João Simões, em Prosa de ficção, volume dedicado ao exame de autores brasileiros e de suas obras em circulação entre 1870 e 1920.

O lançamento, em 1949, da edição crítica dos Contos Gauchescos e Lendas do Sul provocou pro­funda alteração no que diz respeito ao conhecimento da obra do escritor sulino. Com preparação de texto por Aurélio Buarque de Holanda, prefácio de Augusto Meyer e posfácio de Carlos Reverbel, o livro fazia jus às virtudes do texto de Simões, propiciando-lhe a difusão de que até então carecia a matéria artística que o compunha.

Nas décadas subsequentes, os Contos Gauchescos, as Lendas do Sul e os Casos do Romualdo, res­gatados esses por Carlos Reverbel, foram objeto de estudos por historiadores da literatura, como procederá Alfredo Bosi desde a primeira edição de sua História concisa da literatura brasileira, de 1970. Nesse, e em outros trabalhos do período, um foco predomina, quando se trata de entender a excelência de Simões Lopes: o Regionalismo.

Contos Gauchescos e Lendas do Sul. Porto Alegre, Ed. da Livraria do Globo, 1926 (1ª ed. acolherada c/ capa original). Acervo Klécio Santos. | Contos Gauchescos e Lendas do Sul. Coleção Província. Porto Alegre: Editora Globo, 1949. Acervo Fausto J. L. Domingues.

Observe-se que o Regionalismo não é, ele mesmo, um problema. Considerado um período da história literária, corresponde a um tempo de grande produtividade, oportunizando a manifesta­ção de escritores do porte de Afonso Arinos e Hugo de Carvalho Ramos, ficcionistas ao lado dos quais Simões Lopes Neto fica muito bem posicionado. Considerado, por outro lado, uma poética, o Regionalismo traduz aspectos fundantes da cultura nacional, razão por que repercute em épocas posteriores e em prosadores modernos, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.

Porém, encarar a obra de Simões Lopes Neto unicamente desde a perspectiva do Regionalismo talvez impeça o reconhecimento de toda sua riqueza e diversidade. Eis por que, ultrapassada a etapa de alinhamento de suas criações junto à dos maiores escritores brasileiros, emergiu a necessidade de resgatá-lo dos elos que o prendiam a um período histórico e a uma tendência temática e estilística. É o que se verifica nas distintas linhagens que se debruçam sobre sua obra: as que, dando sequência à atividade investigativa com fontes primárias, recuperam obras que permaneceram inéditas ou, impressas, tornaram-se raras e inatingíveis; as que relacionam as narrativas de Simões Lopes a ques­tões suscitadas pela Teoria da Literatura; as que propõem a superação dos limites do Regionalismo por meio da identificação da universalidade dos temas que compõem o imaginário dos textos do autor; as que extravasam as fronteiras nacionais, apontando para a interação do escritor com a produção latino-americana e internacional.

A fecundidade artística da obra de Simões Lopes Neto estimula seus leitores a entendê-la, interpretá-la e valorizá-la. Esse é um caminho que os andarengos críticos, tal como o narrador dos Contos Gauchescos, ainda percorrerão por longo tempo.

Texto de Regina Zilberman para a exposição Simões Lopes Neto – onde não chega o olhar prossegue o pensamento (2016).

Cancioneiro Guasca

Em 1910, possivelmente no mês de agosto, vindo da impres-sora a vapor da Livraria Universal, de Echenique & C, de Pelotas, apareceu o Cancioneiro Guasca. Com 286 páginas, mais notas e índice, trazia o subtítulo Coletanea de Poezia Popular Rio-Grandense. Era mais do que poesia! Na obra, o autor incluiu as lendas do Negrinho do Pastoreio, da Mboitatá e a lenda missioneira do Generoso e alguns mitos do centro e norte do Brasil. As edições póstumas, de 1917 e 1928, pela mesma editora, não publicaram as lendas, mas trazem uma biografia do autor. A Editora Globo, de Porto Alegre, reeditou o livro em 1954 e 1960. E a Sulina, também da capital, em 1999. (FJLD)

Cancioneiro Guasca. Coletanea de Poezia Popular Rio-Grandense. 1ª edição. Pelotas: Echenique & C., 1910. Na imagem do livro aberto a dedicatória de Simões Lopes Neto (Joca) à irmã e ao cunhado. Acervo Fausto J. L. Domingues.

Contos Gauchescos

Os contos de Simões Lopes Neto foram, em sua maioria, publicados, inicialmente, no jornal Diário Popular, de Pelotas, em 1911 e 1912. A única exceção é o conto Contrabandista publicado na edição nº 9 da Revista da Academia de Letras do Rio Grande do Sul (1911/1912), diferente do texto que logo depois constaria em livro. Em setembro de 1912, graças à louvável iniciativa de Guilherme Echenique, proprietário da Livraria Universal e amigo do escritor, os contos foram reunidos em livro, com a chancela da casa editorial pelotense. Já o conto O menininho do presépio, que apareceu em livro a partir da edição crítica de Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de 1949, foi publicado, em primeira mão no final de 1913, no jornal A Opinião Pública, também de Pelotas. Segundo Carlos Reverbel, seu descobridor, seria o único de uma idealizada segunda série de contos gauchescos que nunca foi concretizada.
Com O menininho do presépio, são dezenove os contos gauchescos do escritor. Considera-se também o Artigos de fé do gaúcho, que mais se assemelha, em prosa, a Los consejos del Viejo Viscacha, de Martín Fierro, impregnado da melhor sabedoria crioula. Alguns dos contos de Simões, além de receber merecida versão em outros idiomas e integrar a lista de leituras obrigatórias em exames de ingresso para diversas universidades, tornaram-se indispensáveis nas antologias mais respeitadas do gênero. Trezentas onças, O negro Bonifácio, No manantial, Contrabandista, O boi velho já são consagrados pela habitual transcrição e pelo elogio dos estudiosos.
O prestígio popular e o reconhecimento dos críticos não foram conquistados graciosamente ou por acaso. Ao retratar com perfeição o ambiente gaúcho e a atmosfera campeira, o escritor mostrou rara habilidade no desdobramento das tramas psicológicas que envolveram suas histórias e personagens. Nada, entretanto, foi mais decisivo para sua notoriedade do que a requintada elaboração literária (o estilo) e a fiel reprodução do autêntico e despojado falar do habitante dos nossos campos (a linguagem). Tais ferramentas, cujo domínio exerceu de maneira inconfundível e incomparável, notadamente nos contos gauchescos, colocaram João Simões Lopes Neto entre os maiores escritores brasileiros, conferindo um caráter universal ao seu regionalismo literário. (FJLD)

Contos Gauchescos. 1ª edição. Pelotas: Echenique & Cia, 1912. Acervo Klécio Santos.

Lendas do Sul

Em relação às Lendas do Sul, Simões Lopes Neto também contou com a imprensa pelotense para a divulgação inicial. A lenda do Negrinho do Pastoreio, segundo consta, foi a primeira, publicada em 26 de dezembro de 1906 no Correio Mercantil, jornal que na época pertencia a Augusto Simões Lopes, tio do escritor. A edição foi dedicada para Coelho Neto que, naqueles dias, viajava pelo Estado e estava em Pelotas.
No mesmo jornal, já com outra direção, em 6 de janeiro de 1909, foi publicada a lenda Boitatá, dedicada ao também escritor e advogado José Joaquim de Andrade Neves Netto. Das três lendas principais, apenas a da Salamanca do Jarau não apareceu em jornais da terra natal de Simões, somente na edição definitiva em livro.
Em 1910, como resultado de um intenso trabalho de pesquisa, recolhido na compilação de “poesia popular rio-grandense”, foi apresentado ao público o seu Cancioneiro Guasca. De certa forma surpreendente, mas elogiável, constam na obra algumas lendas, como Boitatá, Negrinho do Pastoreio, Generoso e “outros mitos do norte e centro do Brasil” (Lobisomem, Curupira, Jurupari, Caapora, Saci-pererê e Oiara).
Ostentando, mais uma vez, o selo editorial dos seus amigos da Echenique & C. Editores, em 1913 foi editado o livro Lendas do Sul, com o subtítulo de “populário”. Como novidade, além da inimitável versão da Salamanca do Jarau, o argumento de algumas lendas missioneiras como Mãe do Ouro, Cerros Bravos, Casa de Mbororé, Zaoris, Anguera (que é a mesma do Generoso), Mãe Mulita e Lunar de Sepé. Na obra, acrescentou, entre as que designou como sendo “argumentos de lendas do centro e norte do Brasil”, a Mula-sem-cabeça e a referente aos Enterros.
Ao escrever as lendas, que não são criações pessoais, João Simões Lopes Neto praticamente as reconstruiu, tomando a liberdade de fazer versões que lhe pareceram mais adequadas. Nessa recriação é que seu gênio literário aparece com mais exuberância. Por força de um estilo incomum e incomparável, ofereceu, para cada texto, uma feição própria, elegante e agradável.
O reconhecimento do seu talento e criatividade ultrapassou as fronteiras do país. Basta citar o chamado “Projeto Gutemberg”, hoje amplamente conhecido, destinado a veicular, em rede mundial, sem interesse lucrativo, grandes clássicos da literatura. Lendas do Sul foi a primeira obra literária, em idioma português, a ser integralmente divulgada, em 2001. Só depois, foi publicado Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões! (FJLD)

Lendas do Sul. 1ª edição. Pelotas: Echenique & C., 1913. Acervo Fausto J. L. Domingues.

Casos do Romualdo

Na Revista da Academia de Letras do Rio Grande do Sul, em 1911, aparece O Gringo das Linguiças. Em 5 e 12 de julho e 9 de agosto de 1913, o jornal A Opinião Pública, de Pelotas, publica, respectivamente, A Quinta de S. Romualdo, Entre Bugios e A Enfiada de Macacos. Em folhetim do Correio Mercantil, também de Pelotas, são publicados, entre 1º de junho e 21 de julho de 1914, todos os casos, com o pseudônimo de João do Sul. Em livro, esses casos somente apareceram em 1952, pela Editora Globo, de Porto Alegre. Foram diversas edições, sendo a última do Instituto João Simões Lopes Neto, em 1914. (FJLD)

Recortes originais de publicação dos Casos do Romualdo no jornal Correio Mercantil, de 1º de junho de 1914 à 20 de julho de 1914, em Pelotas. Composição e colagem de Idalina Lopes de Figueiredo. Acervo Fausto J. L. Domingues.

João Simões Lopes Neto

As margens do arroio Pelotas serviram de berço natal a João Simões Lopes Neto. Ali, na propriedade do avô paterno, que também funcionava como charqueada, teve contato com as primeiras imagens que lhe ficaram gravadas na mente. Foram aquelas da vida de campo, das lides com o gado, dos brinquedos de guri de campanha e do pai, administrador do estabelecimento e gaúcho de lei.

A Estância da Graça, às margens do arroio Pelotas, nas proximidades da povoação do mesmo nome, serviu de berço natal a João Simões Lopes Neto. Ali, na propriedade do avô paterno, nasceu a 9 de março de 1865. Seus pais foram Catão Bonifácio Lopes, filho de João Simões Lopes Fº (Visconde da Graça), e Teresa de Freitas Lopes, ambos descendentes de proprietários rurais. Na estância, que também funcionava como charqueada, viveu até o ano de 1876, quando, com 11 anos de idade, perdeu a mãe. As primeiras imagens que lhe ficaram gravadas na mente foram aquelas da vida de campo, das lides com o gado, dos brinquedos de guri de campanha e do pai, administrador do estabelecimento e gaúcho de lei.

Depois da morte da mãe e da breve passagem no Colégio Francês (Colégio Guidony, do professor Aristides Guidony), de sua cidade, o menino é levado ao Rio de Janeiro, com treze anos de idade, para aprimorar os estudos, com a intenção de formar-se médico, sob os cuidados de seu tio avô. Chegou com seu pai ao Rio de Janeiro no paquete Cervantes, em 4 de agosto de 1878, para continuar os estudos que lhe possibilitaram inscrição nos exames preparatórios. No ano seguinte já seria chamado a prestar exame de francês. Foi aluno do colégio São Pedro de Alcântara, cujo internato funcionava num amplo palacete na Praia de Botafogo nº 172, mantendo a escola uma filial no centro da cidade, sem internato, na Rua do Ouvidor nº 140. E assim, durante um bom tempo, prestou vários exames preparatórios presididos pela Instrução Pública da Corte, que se estenderam de setembro de 1879 a março de 1884. Neste último ano, em 25 de novembro, é que Simões Lopes Neto iniciou sua viagem de retorno ao sul pelo paquete Rio de Janeiro, com destino ao Prata, não havendo ainda registros sobre sua atividade, no Rio, nesses oito meses que transcorreram entre o último exame preparatório de que se tem notícia e a viagem de volta à terra natal. O que se pode dizer com certeza é que o jovem João Simões retornou sem completar sua formação acadêmica e nem sequer há registros sobre sua aprovação ou reprovação nas últimas convocatórias para aritmética, geometria e álgebra.

Nessa época, seu pai administrava uma das enormes propriedades rurais do avô paterno, a Estância São Sebastião, em Uruguaiana. Para lá partiu e, em companhia do pai, a imensidão do pampa, as proezas da peonada e as histórias galponeiras, certamente, somaram-se àquelas primeiras experiências da infância, povoando-lhe o cérebro e muito contribuindo para, mais tarde, estimular-lhe a imaginação e a inventividade.

Em Pelotas, no auge de sua prosperidade social e econômica, o jornal “A Pátria” era adquirido por Ismael Simões Lopes, tio do futuro escritor, onde este deu os primeiros passos no jornalismo, ocupação, aliás, de que nunca se afastou até o penúltimo dia de sua malograda existência, indo de simples colaborador à condição de diretor de jornal. Concomitantemente, dedicou-se a outras atividades, “algumas um tanto inusitadas, quando não fantasistas”, no dizer de um dos ilustres analistas de sua vida e da sua obra. Assim, em 1890, estabelecia-se com pequeno escritório de despachante geral. Em seguida, desaparecido o jornal “A Pátria”, passa a colaborar no “Diário Popular” que, fundado em 1890, mantém-se em circulação até os dias atuais.

No ano de 1892, em maio, casa-se com Francisca de Paula Meirelles Leite. Conhecida por D. Velha, ela sobreviveu ao marido por quase meio século. Não tiveram filhos, mas criaram uma menina que, muito afeiçoada ao escritor, tratava-lhe como pai. Com a eclosão do movimento armado entre maragatos e pica-paus, Simões, embora de tradicional família republicana, já nomeado tenente da Guarda Nacional, manteve-se distante do conflito bélico. Desta corporação seria promovido a capitão somente em 1901. Ainda em 1893, associado a Ildefonso Correia, inaugurava a Vidraria Pelotense, da qual foi incorporador e que vinham organizando desde 1891. Sua duração não ultrapassou o ano de 1895. Com outros sócios, pela mesma época, conseguiu autorização para constituir a “Companhia Destilação Pelotense” que teve igualmente vida efêmera. Havia prestado sua colaboração ao jornal “Correio Mercantil”, com o pseudônimo de “Serafim Bemol”. Também fez parte da diretoria da Associação Comercial.

Em 1896, surge o jornal “A Opinião Pública” e nele também luzia a pena admirável de João Simões Lopes Neto. Neste ano, em junho, morria o seu pai por quem nutria grande afeto e reconhecida admiração. Promovido o respectivo inventário, Simões foi aquinhoado com uma quantia razoável que poderia muito bem acomodar-lhe a vida, embora não representasse uma fortuna. Adquiriu uma casa na rua Sete de Abril, desfazendo-se, em seguida, de outra que possuía na rua Paisandu. Subscreveu ações do Diário Popular, passando a acionista do mesmo. Dispondo de recursos, juntamente com seu cunhado José Gomes Mendes, inaugura o Café Cruzeiro, varejo e atacado, visando à comercialização de café em grão. A sociedade, como tantas outras, não daria certo; sucumbiu diante da concorrência voraz. Entre sonhos e devaneios, Simões, inclusive, andou projetando uma expedição exploratória a Santa Catarina, em busca da prata que existiria na localidade de Taió. De concreto, apenas sua eleição para o Conselho Municipal.

Pertenceu e foi Presidente do Clube Ciclista de Pelotas e um dos fundadores da Sociedade Agrícola Pastoril, criada em 1898. Em 10 de setembro de 1899, foi fundada em Pelotas a União Gaúcha, que teve como primeiro presidente um tio do escritor; Simões somente ingressaria na nova entidade em 1901 e a presidiria em 1905. No raiar do novo século, cria a Fábrica de Fumos e Cigarros marca DIABO. O empreendimento, se bem que mais duradouro, trouxe-lhe também muitos dissabores. Paralelamente, concebia uma fórmula de fungicida e inseticida, com aproveitamento de resíduos do próprio tabaco, a que deu o nome de “Tabacina”, específico para a cura de plantas e animais. Tanto prestígio adquiriu a fórmula que veio a merecer, além de prêmios, um artigo de página inteira na conceituada Revista Agrícola de Rio Grande do Sul, assinado pelo não menos renomado professor Manoel Serafim Gomes de Freitas. O professor, mais tarde, viria a ser colega de Simões na diretoria da Biblioteca Pública Pelotense e seu confrade na Academia de Letras do Rio Grande do Sul.
Em meio a conferências, atividades culturais, comerciais e industriais, já com alguns embaraços financeiros, assume o 2º Cartório de Notas de Pelotas, permanecendo no cargo pelo menos até 1907. Sempre pressionado por dificuldades nos negócios, Simões, todavia, jamais perdeu a criatividade. Em 1906, também impelido pelo civismo e brasilidade que lhe eram peculiares, lança uma série de cartões-postais, com o exuberante título de “Coleção Brasiliana de Vulgarização dos Fastos da História Nacional”. Era sua intenção publicar 12 séries com 25 cartões cada uma. Não conseguiu concluir o projeto. São conhecidas apenas as duas primeiras séries.

Em 1908, realiza-se, em Pelotas o I Congresso Agrícola do Rio Grande do Sul, no qual Simões teve destacada participação. Foi secretário de uma das comissões e relator de vários pareceres e sugestões. Apresentou a tese “O problema dos transportes e a questão das tarifas”, considerada “de relevante importância”. Tudo a evidenciar sua multifacetada capacidade criativa. No ano de 1910, já vamos encontrá-lo entre os fundadores da Academia de Letras do Rio Grande do Sul, ocupando a cadeira nº 3 que tinha como patrono o pelotense Álvaro Chaves. No ano seguinte, preside a Sociedade Rio-Grandense Protetora dos Animais e promove o lançamento da “Revista Centenária” com o fim de iniciar as comemorações do centenário de Pelotas. Foram publicados 8 números, sendo os dois últimos aglutinados. Nesta época, já manifestava sintomas de estar doente. Vendera a casa onde residia e, mediante remuneração, passava a redator de “A Opinião Pública”, vivendo humildemente.

O “Correio Mercantil” estava sob a chefia de José Carlos de Sousa Lobo que no cargo se manteve até 1914, ano em que “por motivo de saúde” deixou a direção, sendo suspensa a publicação do jornal. Foi rápida, entretanto, a paralisação. Onze dias depois reaparecia, ostentando como diretor Simões Lopes Neto. Foi a mais expressiva posição alcançada na sua já longa carreira jornalística. Não dispunha de outro meio de subsistência e a debacle do jornal, no final de 1915, sufocaria mais um sonho do escritor. Retorna à “A Opinião Pública” como redator.

O inverno de 1916 avizinhava-se e a saúde dava claros sinais de debilidade. No dia 12 de junho ainda compareceu à redação do jornal. No dia seguinte, permaneceu no leito, sendo atendido pelos Drs. Antero Leivas e Francisco Simões, seu tio. Em 14 de junho de 1916, às 15 horas e quinze minutos, com 51 anos de idade, faleceu João Simões Lopes Neto. A morte e o velório ocorreram na casa de uma cunhada, pois já não possuía residência própria. Diria seu tio, médico que o acompanhou sempre, que a morte se dera em virtude de uma “úlcera duodenal, com perfuração”. Acredito que, se fosse permitida a Simões a lavratura do próprio diagnóstico, não deixaria de registrar como causas determinantes da sua morte um profundo abatimento moral, uma invencível sensação de fracasso e um punhado de quimeras desfeitas! Nada sabia ele da glória que o aguardava na posteridade.

Texto de autoria de Fausto José Leitão Domingues, atualizado por Carlos Francisco Sica Diniz.